O Testamento de Ann Lee: Amanda Seyfried brilha como líder religiosa
Publicado em 06/09/25 16:00
Logo nos primeiros 25 minutos da exibição para a imprensa de O Testamento de Ann Lee, no Festival de Toronto, o filme foi interrompido em um dos seus momentos mais impactantes de cantoria e dança. A tela preta e o silêncio confundiram os jornalistas que não sabiam se aquilo era uma falha na projeção ou mais uma decisão peculiar da diretora Mona Fastvold. O silêncio logo virou aplauso, numa clara brincadeira com o encerramento precipitado do filme. Poucos foram os celulares que se acenderam na escuridão. Estariam todos ainda meio incrédulos com o que havia sido exibido até então?
Apontado como o possível O Brutalista da temporada, as comparações com o filme indicado ao último Oscar se dão pelo trabalho da diretora como co-roteirista ao lado de seu marido Brady Corbet, no filme de 2024, e o envolvimento dele como produtor de Ann Lee. As duas produções também compartilham o trabalho de William Rexer, como diretor de fotografia, e o premiado Daniel Blumberg, na trilha sonora. As similaridades vão ficando por aí, já que além de ambos terem um visual luxuoso e recriação de época impecável, O Testamento de Ann Lee abraça uma abordagem mais surreal do que o épico de Corbet.
Amanda Seyfried vive Ann Lee, a fundadora dos Shakers, que acreditam que ela seja a segunda vinda de Cristo para a Terra, agora em uma forma feminina. O movimento é uma dissidência dos Quakers e prega uma sociedade mais rígida, o celibato e os rituais de dança que dão o nome ao grupo. O filme acompanha Ann desde a infância, suas visões, o início na fé e os questionamentos aos religiosos na Inglaterra e seu relacionamento com o irmão, William (Lewis Pullman). Seyfried brilha sempre que toma a tela com suas pregações, relatos divinos e, claro, cantando. Não é de hoje que a atriz é a queridinha de musicais e a diretora aproveita todo o talento e expressividade da protagonista para um estudo de personagem competente, que leva o tempo necessário para entendermos seus mandamentos contra o sexo e as dores do papel das mulheres na época.
Na mesma proporção que interessa e prende o espectador pela curiosidade sobre a protagonista, Fastvold tem escolhas peculiares - para não chamar apenas de bizarras - quanto aos cultos e danças dos Shakers. É como observar um grande exercício de escola de teatro, com cada ator em cena tendo que representar uma emoção no palco, movimentos que misturam balé clássico com dança contemporânea, caretas, sussurros… tudo dentro de um formato de musical que uma hora quer ser um conto folk e na outra se vê como uma peça da Broadway. A situação extrapola o limite do papelão no momento em que um grupo de seguidores de Ann Lee precisa encontrar a terra prometida da comunidade após a imigração para os EUA, em 1774. Os três são liderados por um dedo possuído - sim, isso mesmo - e cantam uma música pateta sobre sua missão e por quem estão ali.
Igualmente fascinante e irritante, Ann Lee consegue ir de uma cena em que explica que seguidores do metodismo são os Metodistas - sério! - para depois criar um momento incrível sobre fé, devoção e medo, usando um eclipse solar. São extremos como as incríveis atuações de Seyfried e Pullman, para outras rasas como a de Christopher Abbott e Thomasin McKenzie, que também serve de narradora para a história. O mesmo vale para a música de Blumberg, que adapta os hinos shaker, misturando gravações ao vivo e em estúdio - perceptíveis ao longo do filme - e não consegue equilibrar grandes atos, como o primeiro ritual ainda na Inglaterra, com momentos que parecem saídos de uma montagem qualquer de Os Miseráveis.
Para o bem ou para o mal, The Testament of Ann Lee é uma experiência única no cinema, assim como foi O Brutalista - que aliás vi na mesma sala e praticamente no mesmo assento aqui de Toronto. É hipnotizante e inacreditável ao mesmo tempo. Fascina e ao mesmo tempo nos faz achar que o filme e o grupo religioso que mostra são puro charlatanismo e um delírio coletivo. Quem sai ganhando é Amanda Seyfried, que passa por essa loucura toda de forma imaculada e pronta para ser cultuada nas premiações do ano.
Fonte: Omelete // Alexandre Almeida