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Wagner Moura: "'Marighella' não é resposta a Bolsonaro nem a nenhum governo"

Publicado em 14/02/19 18:00

Na Alemanha para o lançamento de "Marighella", destaque brasileiro no Festival de Berlim, o ator e diretor Wagner Moura conversou com a revista americana "The Hollywood Reporter" sobre o polêmico projeto do filme, que afirma não ser endereçado ao novo governo nem a nenhum outro em particular. Segundo Moura, reduzir a trama a uma mera resposta a Jair Bolsonaro (PSL) é um erro, embora seja impossível desassociá-la da atual conjuntura política do país.

"O filme é maior é que isso", sintetiza Wagner Moura. "Mas é claro que qualquer obra de arte precisa ter uma conversa com seu próprio tempo."

Estrelado por Seu Jorge e com Adriana Esteves e Bruno Gagliasso no elenco, "Marighella" narra a história do guerrilheiro baiano que recorreu à luta armada para enfrentar a ditadura militar e foi morto em uma emboscada em 1969. Por ora, o filme não tem data de lançamento prevista no Brasil. Na visão de Moura, a controvérsia que ronda a produção desde o seu anúncio é a principal explicação.

Produzido pela O2 Filmes, "Marighella" foi autorizado a captar cerca de R$ 10 milhões via Lei do Audiovisual, que concede incentivos fiscais a pessoas físicas e empresas privadas patrocinadoras. "Sinto que eles [a distribuidora Paris Filmes] estão com medo, o que é uma pena. Se fosse minha a decisão, eu lançaria o filme no Brasil logo depois do Festival de Berlim, mas eu não acho que isso vai acontecer."

Seu Jorge com Wagner Moura nas filmagens de "Marighella" Imagem: Divulgação

Definindo-se como um artista reconhecidamente de "esquerda e progressista", Moura ainda dá detalhes da já conhecida dificuldade de financiamento do filme, que, segundo ele, começou como um boicote velado por parte de empresas e, após o impeachment da ex-presidente de Dilma Rousseff, em 2016, tornou-se agressivo. Ele também relembra as graves ameaças que sofreu na internet durante as filmagens.

Produzido pela O2 Filmes, "Marighella" foi autorizado a captar cerca de R$ 10 milhões via Lei do Audiovisual, que concede incentivos fiscais a pessoas físicas e empresas privadas patrocinadoras. "Sinto que eles [a distribuidora Paris Filmes] estão com medo, o que é uma pena. Se fosse minha a decisão, eu lançaria o filme no Brasil logo depois do Festival de Berlim, mas eu não acho que isso vai acontecer."

Veja abaixo os principais trechos da entrevista.

Resposta ao governo novo?

Wagner Moura - Fiz o filme para os brasileiros assistirem. Não quero reduzi-lo a uma resposta ao Bolsonaro, porque o filme é muito maior a isso. Ele não é uma resposta a nenhum governo em particular, especialmente ao atual. Mas é claro que qualquer obra de arte precisa ter uma conversa com seu próprio tempo. Então, o modo como o filme será recebido no Brasil não pode ser desvinculado da realidade que estamos vivendo.

Onda conservadora

Quando começamos o projeto em 2012-2013, ainda estávamos no governo Dilma [Rousseff], mas já havia uma forte onda conservadora no Brasil que culminou com um golpe de Estado que a depôs e, tragicamente, terminou com a eleição de Jair Bolsonaro como nosso presidente. Mas em 2013, a onda conservadora já era muito forte.

Cartaz do filme "Marighella", dirigido por Wagner Moura Imagem: Divulgação

Figura polêmica

Foi difícil financiar um filme sobre um guerrilheiro que era uma figura muito controversa porque ele era um extremista. Ainda é uma discussão aqui se a sua decisão de enfrentar a ditadura com uma luta armada foi certa. Acho muito difícil julgar a decisão que essas pessoas tomaram quando não tinham opções democráticas. Mas é uma coisa controversa.

Dificuldades de financiamento

Tudo no Brasil, e não apenas aqui, tudo o que é remotamente controverso é difícil de financiar, especialmente com a onda conservadora. As pessoas me identificam aqui no Brasil como um artista progressista de esquerda, então as coisas eram difíceis no começo. Mas então, em 2014-15 e principalmente 2016, após o impeachment, começou a ficar muito agressivo.

Respostas agressivas

Os produtores do filme da O2 [que produziu o longa] estavam começando a receber respostas muito agressivas, como "vá se foder por colocar dinheiro em um filme sobre um terrorista ou dirigido por esse idiota vermelho". Quando você assiste ao filme, verá que parece que ele tem um valor de produção muito alto, e isso é para o crédito da O2. Fizemos com um orçamento muito baixo, mesmo para os padrões brasileiros.

Adriana Esteves como Clara Charf no filme "Marighella" Imagem: Divulgação

Sadismo de empresas

[Aconteciam] Por meio de emails, quando os produtores tentavam agendar reuniões. Eu fui a reuniões e, mesmo quando as pessoas eram educadas e nos recebiam, eu sentia que elas só estavam me recebendo para me ver pedindo dinheiro e ter o prazer de dizer "não". Quando estávamos rodando o filme, recebemos muitas ameaças pela internet, no Facebook, dizendo que eles iriam invadir o set e acabar com tudo e quebrar a coisa toda. Esse tipo de coisa.

Lançamento no Brasil

Eu espero que o filme seja lançado no Brasil. Ainda não temos uma data porque nossos distribuidores [Paris Filmes] estão preocupados e dizem que ainda não sabem quando será o melhor momento. Eu sinto que eles estão com medo, o que é uma pena, porque, se fosse a minha decisão, eu lançaria no Brasil logo depois de Berlim, mas eu não acho que isso vai acontecer. Nós elegemos um presidente protofascista de extrema-direita aqui, então tudo pode acontecer.

Fonte: UOL Cinemas // Leonardo Rodrigues

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