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"Terra Plana": como a arrogância de cientistas deu força aos terraplanistas

Publicado em 13/03/19 11:00

O documentário "Terra Plana", disponível na Netflix, tenta entender quem são as pessoas que acreditam que o nosso planeta não é redondo. Muito além do que simplesmente tirar sarro deste grupo, o diretor Daniel J. Clark, por meio de entrevistas, constrói um retrato psicológico e social dos terraplanistas, apontando que este fenômeno também é culpa da soberba dos próprios cientistas.

O protagonista da produção é Mark Sargent, o maior nome dos defensores de que a Terra é plana, um quarentão que mora com a mãe e que grava vídeos e podcasts expondo teorias -- sem base científica -- de que o governo, a CIA e a ciência mentem. Usando uma camiseta escrita "Eu sou Mark Sargent", o popstar crê em teorias da conspiração e grava vídeos no museu da NASA explicando que tudo aquilo é invenção.

Por outro lado, cientistas também são ouvidos pelo documentário e se divertem ao falar sobre os terraplanistas, tratados como pessoas ignorantes e que não merecem ser reconhecidas. Até que em uma reunião de especialistas, um físico afirma que segregar aqueles que pensam diferente de você é tão errado quanto crer que a Terra é plana, o que levanta uma reflexão aos especialistas.

Mark Sargent em cena de "Terra Plana", da Netflix Imagem: Reprodução

Personagens

"Terra Plana" traz ótimos personagens que fazem os 90 minutos do documentário passarem voando. Mark Sargent daria um filme sozinho pela desenvoltura à frente das câmeras e pelas contradições. Quem rouba a cena também é sua mãe, que admite não ter tanta fé assim que seu filho está certo e revela que ele sempre foi muito fiel em suas crenças.

Patricia Steere, outra figura importante da comunidade dos terraplanistas, é tão misteriosa quanto seu colega. A vida solitária só é movimentada quando grava um podcast sobre teorias que comprovam que o planeta não é um globo.

Em um dos melhores momentos, Patricia chora ao contar que os próprios integrantes do seu grupo duvidam, criam boatos de que ela é do serviço secreto norte-americano e a xingam sem argumentos concretos. Ela então questiona: "Me pergunto se, no coração deles, essas pessoas sabem que estão mentindo. Isso faz eu me preocupar com coisas que eu acredito. Eu sou outra versão disso?".

Há ainda quem rache a comunidade, mas que acredita que a Terra seja plana. Math Powerland tem certeza que Mark Sargent é financiado pela CIA e é um ator, assim como prega que ele que começou a ideia. Math é reconhecido pelos próprios defensores da sua tese como um lunático e foi afastado das convenções.

Culto

O documentário mostra como é o encontro anual de terraplanistas, uma convenção que reúne centenas de pessoas para discutir o futuro da comunidade. A imagem retratada é de um culto, uma fé cega de pessoas que foram "esquecidas" pela sociedade tradicional.

Um psicólogo analisa que o grupo fechado é a única forma destes indivíduos estarem no poder, mesmo que em um microcosmo. Eles sempre foram rejeitados por não se destacarem em nada, e a forma que encontram de se posicionar é questionando tudo e criando teorias da conspiração.

Durante a convenção, há muita emoção, lágrimas escorrendo e momentos de surpresa. Muitos não acreditam que estão realmente encontrando Mark Sargent e outros mostram com orgulho algumas invenções que podem ajudar a provar de uma vez por todos que a Terra é plana -- e nenhuma dá certo. O ponto alto é que uma expedição para encontrar o "fim" da Terra está sendo planejada.

O diretor Daniel J. Clark coloca sua opinião de forma sutil e irônica, principalmente na edição. Os testes feitos pelos terraplanistas não dão certo, e o cineasta deixa a situação ainda mais desconfortável com momentos de silêncio e cortes abruptos certeiros.

Porém, Clark não pesa a mão e deixa o documentário leve, mesmo com um plano de fundo dramático. A intenção de "Terra Plana" é mostrar o que leva tais pessoas a crerem nesta teoria sem fundamento científico, indo além do que simplesmente criticar o grupo.

Cena de "Terra Plana" Imagem: Reprodução/Netflix

Fonte: UOL Cinemas // Rodolfo Vicentini

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