FILMES NO CINEMA

“O mundo anda cínico demais”, diz Luc Besson sobre seu Drácula romântico

Publicado em 06/08/25 17:00

Depois de um certo tempo entrevistando diretores, você começa a sentir, pela disposição e pelo humor do entrevistado, se eles estão satisfeitos com os filmes que acabaram de realizar. O Omelete conversou via videochamada com Luc Besson sobre Drácula - Uma História de Amor Eterno, e o francês foi todo receptivo para falar da nova adaptação do clássico de Bram Stoker - que para Besson é acima de tudo uma história de amor romântico, como diz o subtítulo.    

“A parte romântica está toda no livro. O cinema como o conhecemos mal existia no século XIX quando o livro foi escrito, então a partir do momento que as câmeras passam a capturar tudo, elas se concentram nos elementos fantásticos dessa história, nos truques e nos efeitos visuais, para assustar as pessoas. O romantismo do livro meio que se perde nesse processo, e quando eu reli Drácula fiquei surpreso com esse homem desesperado, depois de quatrocentos anos, para se despedir da sua amada”, diz o diretor, que também assina o roteiro do longa.

A questão do desejo e da voluptuosidade, que ao longo das décadas definiu as versões mais conhecidas da história do Conde, é suprimida neste filme pela idealização romântica. Seria este Drácula definido pela… monogamia? “[Ele é definido] Pelo amor. Apenas amor puro por essa mulher. Os golfinhos são assim, eles têm uma única parceira para a vida inteira. Muitos animais são assim e muitos seres humanos também, conheço pessoas que vivem 50, 60 anos com a mesma pessoa. Quando vejo casais assim, eu sempre pergunto se é fácil, e eles dizem que não, que brigam o tempo todo [risos].”

Para Besson, pintar um Drácula terminalmente romântico não implica fazê-lo unidimensional. O diretor fala sobre os desafios da adaptação: “Foi uma filmagem longa e difícil, especialmente na neve, porque estava fazendo -20℃. Mas a parte mais difícil, pra ser honesto, é manter a evolução do personagem. O Drácula de Caleb [Landry Jones] tem esperança, perde, recupera a esperança, e perde de novo, e segue assim por 400 anos. Mentalmente, para mim, enquanto diretor, foi um desafio, porque filmamos durante 14 semanas e não necessariamente na ordem cronológica, então de alguma forma isso acabou sendo estressante”.

Em compensação, o trabalho com o elenco é o ponto alto, na opinião do diretor. “A coisa mais prazerosa foi trabalhar com os atores, Caleb e Christoph Waltz, Zoë Bleu e Matilda [de Angelis]; fiquei muito feliz e orgulhoso com o trabalho que eles realizaram neste filme. Acho que todos eles se saíram bem demais, e meu foco era mesmo capturar esses diálogos, os sentimentos, e como encenar o amor - pra mim é sobre isso. Toda a parte do sangue, do crucifixo, do fogo e das lutas é a 'diversão', é a parte fácil: brincar com vampirismo e se divertir com ele”, diz Besson.

“Eu acredito que Caleb poderia ser um ótimo Jesus, um ótimo Napoleão, ele é capaz de interpretar qualquer coisa. O que me atrai aqui é que ele pode ter 25 anos, 200 ou 400 anos, e isso dá vários personagens para que ele viva num mesmo filme, e esse é o tipo de trabalho multidimensional que ele consegue fazer, seja para viver um líder na guerra ou um romântico que vai se jogar da sacada pela amada”, continua o diretor, que escolheu encenar Drácula pela oportunidade de voltar a trabalhar com Landry Jones, que protagonizou o longa anterior do francês, Dogman, há dois anos.

Parte do convencimento de trazer Christoph Waltz para o filme passa por Dogman, conta o diretor. “Eu sei como funciona com atores desse calibre, e Christoph tem dois Oscars”, lembra Besson a respeito do convite para trabalhar com Waltz. “Então primeiro eu pedi que ele assistisse a Dogman, porque sei que provavelmente ele nunca tinha visto nada de Caleb antes. O trabalho de Caleb em Dogman é excepcional, na minha opinião, e eu queria que Christoph visse com quem ele contracenaria. Sei que ele poderia aceitar pelo fato de poder atuar e se divertir ao lado desse cara. Depois que eu passei o roteiro para Christoph, ele curtiu e resolveu aceitar.”  

O Van Helsing de Christoph Waltz é praticamente um religioso entediado, tamanha a sua convicção nas virtudes da fé. Mas Luc Besson frisa que esse retrato não é necessariamente o mais “oficial”. “Nunca dizemos que se trata de Van Helsing. É apenas um padre que eles [a Igreja] enviam, por ser um especialista. Acho que fica bem divertido de assisti-lo interpretar o personagem dessa forma. Temos o médico acompanhando ele o tempo todo, e o médico representa a ciência. Serve como um conflito: temos ali a ciência ao lado de um representante de Deus. Ao final o médico fica completamente perdido, porque se trata de algo além da ciência, enquanto o padre parece cada vez mais confortável, porque aquilo é tudo que ele conhece. Eu não queria que ele interpretasse de um jeito duro, despejando conhecimento, ele é apenas um cara meio maluco fazendo seu trabalho.”

Ao final, independente da interpretação que Besson faça do livro ou das mudanças que propõe, o filme acaba reforçando seu olhar a respeito da juventude e da inocência, em histórias de amor muito próximas dos contos de fadas. Questionado se volta a esses temas para se sentir rejuvenescido, o diretor responde: “Eu acho que é disso que a sociedade precisa. O mundo hoje é cínico demais e o único Deus que temos é o dólar. Me desculpe, eu não quero essa vida. Sei que dinheiro é importante, mas não é a coisa mais importante - talvez seja a quinta ou sexta. Antes dele temos o amor, a amizade, o altruísmo. Você não vai levar seu dinheiro para o túmulo”.

Drácula - Uma História de Amor Eterno estreia no Brasil em 7 de agosto.

Fonte: Omelete // Marcelo Hessel

Veja também