Com Donald Glover, Amazon abre caminho para streamings com curadoria humana
Publicado em 03/03/21 05:00
Algo se moveu no streaming quando a Amazon anunciou um contrato de exclusividade de conteúdo com o multifacetado Donald Glover, também conhecido pelo alter ego musical Childish Gambino. Até então, o criador e protagonista da elogiadíssima "Atlanta" era contratado do canal FX, e a mudança de casa vem atrelada a uma novidade que pode indicar um futuro harmonioso entre streaming e cineastas.
Glover vai criar e supervisionar novos conteúdos para o Prime Video, incluindo um reboot de "Sr. e Sra. Smith" com Phoebe-Waller Bridge, a musa de "Fleabag". Mas um detalhe interessante, tanto quanto a união de dois nomes quentes da séries, é: ele será responsável por um canal especial que "dará destaque aos trabalhos dele e conteúdos selecionados".
Essa estratégia pode ajudar a resolver dois problemas: dar destaque individual à imensa gama de talentos orbitando em volta do Prime Video e apresentar uma solução para a "curadoria automatizada" dos algoritmos.
Martin Scorsese explicou melhor qual é o grande problema no belíssimo ensaio sobre Federico Fellini que escreveu para a revista Harper's Bazaar:
Se o que mais assistir é 'sugerido' por algoritmos, com base no que você já viu, e as sugestões são baseadas apenas em tema ou gênero, então o que isso significa para a arte do cinema?
Um dos desafios que as plataformas enfrentam é um monstro criado por elas mesmas. A liberdade de escolher "o que assistir e quando assistir"' aos poucos se transforma em uma fatigante rotina de passar horas e horas navegando entre os títulos sem conseguir escolher algum antes de desistir e ir dormir.
Um elemento que contribui para esta exaustão é a atuação dos algoritmos, que colocam em destaque conteúdos semelhantes àqueles que o assinante já consumiu —criando a impressão que "não tem nada da Netflix".
A ideia de hubs de curadoria humana não é inédita. Em 2019, a HBO lançou o site "recommended by humans" ("recomendado por humanos"), com vídeos e tweets de assinantes indicando o que haviam visto recentemente. Bem intencionado, mas mal executado, o site não tem lá a melhor navegabilidade (como a HBO Go) e ficou para o esquecimento.
A HBO Max —que chega ao Brasil em junho— aprimorou a ideia, e dá aos assinantes a opção de explorarem as playlists dos talentos da casa dentro da plataforma. As listas incluem títulos selecionados pelos próprios artistas, e a intenção é ajudar a orientar melhor a escolha dos usuários diante do catálogo gigantesco da Warner. Ou seja, a boa e velha dica de amigo, curadoria. Humana.
Quando o Prime Video se propõe a criar canais dedicados como o de Donald Glover, faz uma tentativa de deixar de ser apenas um depósito de conteúdo e se transformar em uma central para boas histórias —onde as estreias não fiquem soterradas entre genéricos lançados para fazer número no catálogo.
O contraponto
Para o crítico cinematográfico Bruno Carmelo, do Papo de Cinema, iniciativas como essa de Donald Glover e Amazon têm alcance limitado.
Não podemos esperar que isso resolva problemas de algoritmo, pois trata-se de uma seleção dentro do guarda-chuva de uma empresa, para a empresa. É um funcionário que assinou um contrato prestando serviço.
Já a crítica Sarah Lyra acredita que é um primeiro passo importante.
É válido se associar a figuras populares e promover um conteúdo curado, mas tais iniciativas fariam mais sentido executadas com pessoas com bagagem histórica e teórica do cinema.
No fim, é uma equação traiçoeira e sem uma resposta correta. Mas entre erros e acertos, cada plataforma busca um paliativo diferente para sair do automático.
A Netflix pretende oficializar o "play aleatório" (disponível para parte dos usuários aqui no Brasil) e testa um canal linear na França. O Disney+ organiza cada segmento dentro de um selo e separa os títulos por temas, lançamento e cronologia. O Telecine faz "cinelistas" temáticas e criadas por personalidades.Não existe uma fórmula, mas há a necessidade cada vez mais urgente de retomar o cinema de autoria dentro dos streamings, e oferecer uma orientação aos assinantes que não seja apenas "aqui estão outros 70 documentários de serial killer para você que viu Night Stalker".
Fonte: UOL Cinemas // UOL